Um dia frio, um bom lugar para ler um livro…

Em 23 de abril de 1616, morreu, em Córdova, o “príncipe dos escritores do Novo Mundo”, o peruano Inca Garcilaso de la Vega, filho de um espanhol e de uma descente do povo Inca. Garcilaso e la Vega foi um dos mais importantes cronistas de sua época e um dos primeiros “mestiços” latino-americano a se destacar no mundo das letras europeias. No mesmo dia, também faleceram outros dois grandes nomes da literatura que dispensam apresentações: Miguel de Cervantes e William Shakespeare. Essa coincidência, levou a Unesco, em sua XXVIII Conferência Geral, ocorrida em 1995, a escolher essa data como o Dia Mundial do Livro e do Direito do autor.

Confesso que nunca sei ao certo como iniciar um texto sobre livros. Pensei em começar com uma frase do renomado escritor argentino Jorge Luis Borges. Mas qual? Borges, além de um grande escritor, era um leitor maior ainda. Deixou frases cirúrgicas sobre este peculiar objeto detentor de palavras. Cito três que considero emblemáticas: “O livro é uma extensão da memória e da imaginação”; “dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso, sem dúvida, é o livro”; ou “Publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro para livrar-se dele.”

Talvez seja possível ao escritor se livrar de um livro, mas isso nem sempre ocorre ao leitor. Muitos livros ficam em nós de tal maneira que fixam em nossa mente como se aquela história fosse de fato nossa própria experiência.

E realmente é isso. Um livro é uma experiência compartilhada; é um diálogo com toda uma tradição que se faz presente ao leitor durante a leitura. Certas histórias apresentam-se como se tivesse sido escrita somente para nós, ou para você leitor. Como se o autor quisesse nos cantar um segredo só nosso.

Mas bem sabemos que um livro ultrapassa a mera relação imaginada entre autor e leitor. O livro é um mediador de experiência, conta mais histórias do que as contidas em suas páginas. Um livro traz em si, no mínimo três histórias. A história que conta; a história de sua escrita, que passa por revisões, edição e etc.; e a história dele próprio em relação à Literatura. Um livro é um diálogo aberto com o mundo inteiro. E essa data de 23 de abril, em que se comemora o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor, nos leva a pensar bem nisso. Façamos uma rápida viagem histórica.

 

“Lento en mi sombra, la penumbra hueca
exploro con el báculo indeciso,
yo, que me figuraba el Paraíso
bajo la especie de una biblioteca.”

 

Em 1955, José Luís Borges foi nomeado diretor da belíssima Biblioteca Nacional da Argentina, fatidicamente nesse período o escritor já estava cego, naquela quadra da história ele compôs Poema de Los dones, que possuí a icônica frase: “Sempre imaginei o paraíso como um tipo de biblioteca”.

Falar de livro é falar de um objeto que desperta amor e ódio, afinal nesse Dia do Livro e nesses tempos de xenofobia, racismo, intolerância e genocídio lembramos 1933, mais precisamente no dia 10 de maio, quando Hitler e seus comparsas pretendiam uma “limpeza” da Literatura. A grande queima de livros pelos nazistas, tinha como objetivo extirpar o pensamento e as ideias de nomes como Stefan Zweig, Thomas Mann, Sigmund Freud, Erich Kästner, Erich Maria Remarque e Ricarda Huch.

Trazer esse fato a memória nesse dia 23 é importante para que não nós esqueçamos que como afirma o poeta Heinrich Heine “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas.” E acrescentamos “Onde se censuram livros, acaba-se censurando pessoas”.

Por fim, falar de livros é falar de amor, o mais alto grau da inteligência humana, esse objeto que vem de um local em que o mundo ao longo do tempo volta sempre seus olhos. Criado pelo povo sumério, a partir da escrita cuneiforme, por volta do longínquo ano de 3.200 a.C. na Mesopotâmia, onde hoje é o Iraque, o livro se popularizou ao redor do mundo. Essa forma mais conhecida do livro surge por volta do século XV, quando Johann Gutenberg deu origem a prensa de tipos móveis. O invento revolucionou a história do livro, barateando, fazendo com que pudessem alcançar mais pessoas. É daquela região também, que surge a biblioteca (comemorada e comemorar é fazer memória, no último dia 09 de abril). Biblos no Líbano era onde os gregos antigos iam comprar o papiro, o ancestral africano do papel. Por isso, o termo Biblos se relaciona com papiro e deu origem a palavra biblioteca.

Temos muito a avançar na democratização da leitura e do saber socialmente produzido, inclusive por sociedade marcadamente ágrafas e orais. Esse texto não é sobre supervalorização do escrito em detrimento do oral, até porque o livro como tecnologia humana vem se modificando ao longo do tempo, surgiram os áudios livros, assim como os livros digitais, possibilitando novas experiências de leitura. Mas ainda sim, nada substitui o bom e velho analógico livro de papel, despertando os cinco sentidos da espécie humana, afinal seja num dia frio ou não é sempre bom ter um lugar para ler um livro e ter o pensamento lá em você. Viva o dia 23 de abril, viva o dia do Livro!

 

José Fabio da Silva é historiador, escritor, roteirista e presidente da Academia de Letras de Anápolis – ALEA.

Edergênio Negreiros Vieira é professor, escritor e pesquisador

 

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