“Quem vive de passado é museu!” Você já deve ter ouvido essa expressão. Pois bem, o museu guarda diversos artigos de tempos remotos, mas todos nós vivemos de passado, afinal todos somos sujeitos históricos. Ok, mas nós não vivemos mais no passado, espere… O instante que se passou já é passado, não é mesmo? E existe até um museu chamado Museu do Amanhã, localizado no Rio de Janeiro. Que confusão!
“Todos nós vivemos de passado, afinal todos somos sujeitos históricos”
Passado, presente, futuro… Isso mesmo, a história trabalha com os três. E vai além, nada faz sentido para essa área do conhecimento se não houver a investigação das ações humanas no tempo. E se falamos em investigação, pressupomos então que a história é uma ciência, com suas especificidades, métodos e possibilidades de análises críticas. Com a história não são feitas experimentações, como nas ciências naturais, mas podem ser feitas interpretações de fontes e vestígios humanos.
Houve uma época, mais precisamente no século XIX, em que, na ânsia de buscar mais racionalidade para a história, valorizava-se, sobretudo, o acesso a documentos escritos e oficiais, a história de homens ilustres, a objetividade nas pesquisas e narrativas, e isso trouxe certa frieza e distanciamento da vida prática humana. Posteriormente, outras fontes passaram a ser valorizadas, como as cartas, relatos orais, objetos, manuscritos, fotos, relatórios diversos e muitos outros. Não só mais personagens ilustres como Napoleão Bonaparte ou Dom Pedro II estariam no centro da história, passou-se a englobar também o estudo da história das mulheres, indígenas, da cultura africana e afro-brasileira, expandiu-se horizontes, afinal, todos somos sujeitos carregados de histórias.
Não podemos deixar de destacar que as fontes não falam por si mesmas, é o historiador que confere sentido a elas, que questiona e verifica a veracidade e, afinal, produz uma narrativa que pode tornar inteligíveis os eventos históricos, abrindo possibilidades de compreensão, autoconsciência e sensibilização para com as necessidades humanas. A maioria das sequências históricas podem ser contadas de maneiras diferentes e, segundo Hayden White (1974), o historiador faz uma espécie de operação literária quando suprime, repete, realça mais alguns aspectos que outros, dá um tom trágico ou não a certos acontecimentos. É claro que alguns critérios precisam ser seguidos, como levar em consideração a responsabilidade perante as regras da evidência e a consistência lógica.
O dia do historiador é comemorado no dia 19 de agosto. Essa data foi instituída por meio da Lei 12.130/2009, em homenagem ao nascimento do diplomata e escritor pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910). Para a regulamentação da profissão de historiador, foram necessárias décadas de reinvindicações por parte dos profissionais, com a concretização ocorrida recentemente, no ano de 2020, por meio da Lei 14.038, de 17 de agosto, após derrubada do veto presidencial. Entre as atribuições dos historiadores, o texto da Lei prevê a obrigatoriedade da licenciatura para atuação como professor. O profissional poderá ainda planejar, organizar, implantar e dirigir serviços de pesquisa; colaborar, organizar, inserir e coordenar trabalhos de documentação e informação histórica; e elaborar pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos com temáticas históricas.
O dia do historiador é comemorado no dia 19 de agosto. Essa data foi instituída por meio da Lei 12.130/2009, em homenagem ao nascimento do diplomata e escritor pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910)
Para Rüsen (2003), um passado bem interpretado pode servir como referência para o agir e o sofrer humanos, bem como pode abrir espaço para uma vida prática mais consciente historicamente. A partir dos conhecimentos históricos é que podemos nos orientar no tempo, aprimorar nossa interpretação do passado, para melhor compreendermos o presente e, assim, criarmos expectativas de futuro. Com a pandemia da Covid-19, por exemplo, ficou evidente que nossas angústias do tempo presente se conectaram, de alguma forma, com as angústias dos nossos antepassados, que sofreram com a gripe espanhola. Buscar por uma melhor interpretação, traçando comparações, identificando continuidades e rupturas sobre como foram os cuidados tomados naquele período nos ajudam também nos cuidados diante da pandemia que continua a nos acometer.
Em uma época em que as fake news e os negacionismos ameaçam a capacidade crítica e a construção de conhecimento, é preciso mobilizar ainda mais o trabalho conjunto entre historiadores pesquisadores, professores de história, alunos e comunidade escolar. Precisamos ficar atentos aos debates em torno da história pública e verificar o que está por trás das representações do passado, já que estas geralmente são demandas do presente e alvos de disputas ideológicas, políticas, econômicas, enfim, rodeadas de conflitos.
Em uma época em que as fake news e os negacionismos ameaçam a capacidade crítica e a construção de conhecimento, é preciso mobilizar ainda mais o trabalho conjunto entre historiadores pesquisadores, professores de história, alunos e comunidade escolar
Dentro da esfera pública, há possibilidades de dominação, mas também há espaço para a emancipação. Somos seres construtores, carentes de orientação de tempos em tempos, com expectativas diversas de futuros, as quais nos conectarão com os próximos sujeitos que se sentirem ligados a nós, pelas histórias que deixarmos.
Amanda Karla Correa Rego é historiadora, estudante de pedagogia e mestranda pelo programa de Mestrado Profissional em Ensino de História da UFG. Atua como Analista de criação, comunicação e editorial na empresa Inteligência Educacional.